BEM QUE EU GOSTARIA VER MEL NOS FEMININOS LÁBIOS ENTRONIZADOS
"Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer". Molière, dramaturgo francês (1622-1673)
Mas os sinais são outros: Primeira exclusiva de azul na GLOBO, como o primeiro chá com dona Lili
Numa boa. Bem que eu desejaria um governo politicamente honesto pelas mãos da primeira mulher mandante. Há milhões de pessoas na fila de uma esperança acalentada nas procelas do sonho ainda sonhado. Há combatentes doutras jornadas jogando todas as suas quimeras nesse porvir.
Quando digo politicamente honesto, falo da conjugação entre discurso e ação, da coerência entre a retórica dos palanques e o exercício real do poder.
Sei que isso é querer muito. A política é a arte do embuste, em qualquer parte do mundo. É a extrapolação ensaiada da ambiguidade matreira. É o exercício cínico dos truques inebriantes.
Como diriam no Vaticano, "habemus papam". A fumacinha saiu das urnas. E como não estamos sob impulsos de gladiadores, um governo bom é bom para todos.
Mas ainda não pude detectar essa luz na penumbra de um pecaminoso jogo de interesses insaciáveis. Por mais que a simpatia pelos sonhos juvenis imantados me remeta à via láctea da utopia, permanece intacta a réstia da dúvida atroz.
Não e não. Desde sexta-feira, dia 29, concentrei todos os meus sentidos nos femininos lábios que à plebéia turba seduziu.
A púrpura escarlate ficou na boca da urna. Agora é o azul brilhante do poder glamorizado
O debate da GLOBO foi um fiasco de cartas marcadas. Não houve debate. Os candidatos foram deixados sem bengalas no meio da pequena arena, andando de um lado para o outro em busca dos decorebas. E nada disseram a não ser os conhecidos e surrados clichês de um ofertório pagão. Promessas cosméticas para todos, mas sem garantias perceptíveis.
Quando o gauchinho falou da migração dos campos para a cidade, nada sobre o cerne da questão - a terra é um imenso latifúndio excludente, cada vez mais das maquinarias. O Brasil continuará refém da meia dúzia de dois ou três potentados, com financiamentos maternais e prazos alongados para o retorno das pepitas aos seios da grande mãe.
Quando o gauchinho falou da migração dos campos para a cidade, nada sobre o cerne da questão - a terra é um imenso latifúndio excludente, cada vez mais das maquinarias. O Brasil continuará refém da meia dúzia de dois ou três potentados, com financiamentos maternais e prazos alongados para o retorno das pepitas aos seios da grande mãe.
Será por muito tempo ainda o país da ficção agrária, coma produção voltada para a exportação e as terras para o feijão com arroz disputadas aos solavancos em perdidos cordões por hordas famélicas, deixadas no sereno, na dependência deprimente de R$ 112,00 por cabeça - dinheiro pouco, que "com Deus é muito" e ainda serve para alimentar o vício de um parasitismo ínvio.
E se o campo não se abre ao cultivo dos campônios, as urbes incham sob a pressão de quem quer pelo menos pão e água para matar a fome, abrindo fendas grotescas para a violência dos ignorados, de olho nos troféus dos celulares e nos encantos da modernidade a todos exposta.
No discurso como vitoriosa, a mesma perigosa mescla de receitas compensatórias para dizer aos descuidados que vai continuar o "combate à pobreza", enquanto fazia juras à bandeira do modelo econômico que faz de meia dúzia de bancos mergulhados em lucros colossais os senhores das armas num sistema piramidal intocável. Tanto que levou ao orgasmo a patota dos bilhões amealhados.
Finalmente, na primeira entrevista exclusiva, um convescote com frutas frescas, ao gosto do casal Bonner/Fátima, distinguido, como a Rede Globo, com a primazia do primeiro espasmo. Tal, como aliás, foi o primeiro passo da campanha: o chá com torradas na casa da viúva do senhor do maior império midiático.
Na emblemática escolha da primeira válvula, tudo parece o velho filme desde os idos de chumbo, em que a rendição de guarda também se fazia sob os mesmo holofotes.
Uma dama de azul brilhante entra em nossos lares com as novas cores de um poder afrodisíaco, que está nas fantasias de todos os seres humanos, nos salões e nas alcovas, na cultura lotérica que nos embala.
Não mais o escarlate da pacífica guerra travada entre beijos e tapinhas nas costas. E nada para nos compensar. Antes, a justificativa de que sonhos pretéritos já não cabem mais, porque uns caíram do cavalo e outros caíram da cama.
Agora é reunir os vitoriosos e repartir o tesouro, aquinhoando cada um de forma a conseguir uma maioria amestrada e incondicional nos outros pilares dos podres poderes.
Como seria bom se meus presságios desafortunados não passassem de uma paranóia crônica dos eternos derrotados. Como seria bom se tivéssemos a sensação de que o grande palácio finalmente está pensando não só nos príncipes sindicais, acomodáveis por algumas pepitas e pelo vinho da hipocrisia, mas nessa imensa massa marginalizada - os 43 milhões de brasileiros que ganham o pão de cada dia nas barricadas da informalidade, sem a previdência da velhice, ou os velhos surrupiados em suas poupanças pelos fatores previdenciários subtraentes, ou os jovens engodados por diplomas sem lastro, ou, como disse antes, se alguém com alma franciscana descobrisse o cerne da missão primeira de quem pega na enxada para tirar da terra alheia, na gleba que lhe sobra, o feijão e a farinha que lhes mata a fome, mas não lhes oferece a vida.
Eu bem que queria viver apenas para as flores do meu jardim, para a minha pequena horta de quiabos e maxixes.
Mas, pelo visto, pelas cores dos figurinos e dos cenários, não terei direito ao silêncio da idade provecta, às distrações dos cabelos brancos, ao gáudio da velhice lúdica. Terei sim, e assim seja, de manter-me entrincheirado no front dos indomáveis.
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