quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A CULTURA DA CORRUPÇÃO por Rodolpho Motta Lima

A CULTURA DA CORRUPÇÃO
por Rodolpho Motta Lima



Não vou aqui repetir declarações do Ministro já muito bem destacadas no artigo “Mensalão ruim é o dos outros”, de autoria de Rogério Guimarães Oliveira, publicado aqui no DR. Prefiro então me ater a uma fala em que ele, exemplificando o que denominou de nossa “cultura da corrupção”, mencionou atitudes corriqueiras no cenário nacional, tais como “cobrar com nota ou sem nota”, “levar o cachorro para fazer necessidades na praia”, “fazer combinações ilegítimas nas licitações”. E destacar sua conclusão de que as instituições públicas são um reflexo da sociedade: “Não adianta achar que o problema está sempre no outro. Cada um deveria aproveitar este momento e fazer a sua autocrítica. a sua própria reflexão pessoal”.

Muitas vezes tenho mencionado aqui, a título de exemplo desse farisaísmo que anda solto por aí, diversas outras atitudes que compõem esse nosso cenário “cultural”. É a propina para o guarda de trânsito, é a sonegação no imposto de renda, é o pistolão para empregar parente, é a burla na alfândega... São as nossas pessoas  físicas ou  jurídicas utilizando-se de firulas  para fraudar o tesouro e buscar o refúgio dos paraísos fiscais. São os nossos poderes legislativo e judiciário agindo em causa própria e presenteando-se com benesses que passam longe do cidadão comum.       

Não é preciso ser muito atento aos comportamentos sociais cotidianos para perceber que estamos muito longe do ideal ético. Nem é necessário estar muito envolvido nos meandros da política para perceber que há mil exemplos capazes de justificar, com sobras, as palavras do Ministro a respeito de uma corrupção que, ao contrário do que se quer fazer crer, não é “privilégio” de um partido político. Na terra em que se popularizou a “lei de Gerson”, aquela que parte do princípio que o bom é sempre levar vantagem em tudo, o que vemos são pequenas maracutaias do cotidiano que acabam tendo como projeção, na política, as grandes negociatas, fraudes e imoralidades de toda ordem.

Se quisermos ir mais longe, podemos ir ao tempo das Capitanias Hereditárias, podemos pesquisar o dia a dia da Colônia (procure ler o Gregório de Matos satírico), os anais do Império ou os diversos estágios da República (leia as crônicas ferinas de Lima Barreto). Podemos analisar a criação de Brasília, podemos esmiuçar os grandes negócios da Ditadura no tempo do “milagre brasileiro”. Sempre haverá , e fartamente, significativos momentos de denúncias – quase nunca apuradas com seriedade – de atos que envolviam corruptores e corruptos.

Mas também podemos nos limitar a tempos mais próximos do presente. Temos em plena atividade um ex-governador paulista e atual deputado eleito pelo povo, que não pode sair do país porque pode ser preso lá fora. Ele é do mesmo estado , aliás, que, nos anos 50, nos deu um governador que tinha como lema a frase “Roubo, mas faço”. Tivemos a era Collor, que dispensa explicações, logo seguida pelo escândalo dos “anões do orçamento”, no período de Itamar Franco. Tivemos o caso Lalau. Mais diretamente ligado aos  tempos que precederam o PT no poder, houve a suposta compra de votos para mudar a Constituição e permitir a reeleição de um presidente, nunca apurada, mas sempre mencionada; ocorreu a suposta  privataria tucana, que mereceu um livro de grande vendagem, cujas denúncias vêm passando em branco e tendem ao esquecimento. Antes do petista (o único que mereceu status de preocupação nacional), houve o mensalão de Minas, que não é julgado nunca, Ocorre agora o já apelidado “trensalão” paulista, mas ainda não averiguamos nem de longe aonde nos levarão (ou levariam) as águas torrenciais que vêm da cachoeira de Goiás... Precisa mais?

Esse clima de leniência permanente (e que parece eterna) com as falcatruas se espalha por outros campos que, contaminados pela corrupção, multiplica por aí posturas condenáveis nas quais, como sempre, o dinheiro atropela a moral, a ética e a honradez. E arranha significativamente a cidadania. Coisas de um sistema político corroído, é certo. Mas, muito mais que isso, coisas de um sistema econômico calcado na usura dos bancos, no oportunismo dos especuladores, nos fiéis seguidores do mercado. Coisas do capitalismo do salve-se quem puder e como puder, mesmo à custa da ética, e que gera, aos borbotões, distorções de caráter.

Apesar de tudo isso, não se pode embarcar na canoa furada – e perigosíssima – da desmoralização da representação política. Posições desse tipo acabam por gerar os coloridos salvadores da pátria, ou os generais de plantão... O que temos é que reforçar – reformando – a nossa estrutura política, afastando a nefasto patrocínio de corporações a candidaturas, tornando mais efetiva a fiscalização do povo e dando à iniciativa popular o privilégio da decisão, através de orçamentos participativos e  decisões comunitárias que imponham aos políticos a observância dos desejos daqueles que eles representam.     

O julgamento do STF, provavelmente, seguirá os rumos originais de um processo de cartas marcadas que escolheu, e não aleatoriamente, como bode expiatório da “cultura da corrupção” atávica e endêmica que nos persegue, um segmento partidário da política nacional que, de forma inédita,  mexeu nas estruturas sociais e tenta saldar uma dívida ancestral com os mais pobres, massacrados ao longo do tempo por políticos e políticas oligárquicas, seletivas, elitistas, corporativas, neoliberais (ou qualquer outro adjetivo que se queira escolher). E, fundamentalmente, corruptas.

Se é verdade, como disse o Ministro, que nada mudará se não reformarmos o nosso sistema político, é bom não esquecer que não mudaremos o nosso sistema político se não alterarmos o culto ao dinheiro, exacerbado por um sistema econômico que nos arruína enquanto seres humanos.  

Rodolpho Motta Lima é advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.